Mosaico de Pensamentos e Textos

quinta-feira, outubro 20, 2005

Como era bom chorar


Há quanto tempo você não chora um choro daqueles bem bons, com direito a soluçar e fazer um pouco de barulho? Ah faz muito tempo, e não por falta de razões - muito pelo contrário. É que com tudo se acostuma, inclusive com os sofrimentos, os maus tratos, as injustiças, as dores.

Houve um tempo em que se ia ao cinema e bastava aparecer uma pobre criança castigada pelas maldades cometidas pela madrasta e nossos olhos se enchiam de lágrimas; hoje, se se for chorar pelas crianças que sofrem - e todas sofrem, inclusive as ricas - não se faz outra coisa na vida. Aliás, há quanto tempo você não reage com um bom choro a alguma coisa que fizeram contra você? Ou vai me dizer que há anos a vida só faz te tratar bem?

Aprendemos a segurar, quando levamos uma rasteira no trabalho, sofremos uma deslealdade de um amigo ou uma traição do namorado, sem mudar de cara, carregando a dor lá dentro, tentando achar que a vida é assim mesmo, para ser considerada uma pessoa leve - ou se é leve, linda e solta ou ninguém nos agüenta.

Depois dos 35 não se chora nem quando se sente uma grande dor física; lembra do tempo em que as lágrimas pulavam, quando tomava injeção? Aliás, minto: o choro começava quando se era avisado de que vinha injeção por aí.

Na verdade, aprendemos a segurar, como se diz, todo e qualquer tipo de emoção; porque será? Quando se fala de homens, se sabe; machão não chora, não se magoa, não se enternece, não se sensibiliza, e pronto; só que as mulheres, por todas as razões que sabemos, quiseram se igualar aos homens, e acabaram ficando tão duras quanto inventaram que um homem deve ser - e nem são, coitadinhos; nem todos.

Você nunca ouviu falar de um tempo em que bastava que as mulheres chorassem para conseguir o que queriam?
Naquele tempo eles eram sensíveis a uma lágrima feminina, e bastava fazer uma cara triste e marejar os olhos para eles ficarem de quatro - ah, bons tempos aqueles.
Hoje, se uma mulher ameaçar levar para o lado da emoção qualquer problema, mesmo que ele esteja fazendo as malas para deixá-la, o mínimo que acontece é ficar falando sozinha; o homem, esse ser tão fraterno, generoso e solidário, tem verdadeiro pa-vor a mulheres que se comportam como mulheres, a não ser naquela hora - aquela.
Ou você nunca ouviu a frase "ah, não vai dar agora uma de apaixonada"? Que vida.

O que um homem espera de uma mulher?
Que ela seja quase como um homem, ou melhor, como ele; que entenda de economia - não a doméstica -, de esportes, de política internacional; que se transforme em surfista, tenista ou golfista - segundo as inclinações dele, claro -, que seja tão bonita quanto Fanny Ardant, tão feminina quanto Jacqueline Bisset, tão boa mãe quanto a mãe dele foi e tão séria quanto dona Ruth Cardoso vire uma Sharon Stone desvairada de desejo -por ele, claro. Simples, não?

Ela precisa ser durona, capaz de enfrentar qualquer tipo de problema sem fraquejar, e de encarar qualquer homem de frente, sem baixar os olhos - a não ser diante dele, claro, e só na hora de mostrar que está completamente seduzida; vale tudo, mas sem essas coisas de chorar, por favor.

Só que eles não sabem o que estão perdendo; se tivessem um pouquinho mais de experiência - e de paciência -, saberiam que não há nada melhor do que um bom aconchego durante e depois de uma crise de choro. Um homem que dá seu ombro para uma mulher chorar, que a ouve, que a consola - ah, mulher gosta muito dessas coisas.

Só que eles não sabem, já que elas não choram mais. Culpa de quem?
Sei lá.

Quando ela se virar de costas para você não suspeitar que ela está quase chorando, passe a mão na cabeça dela e diga "ah, não chora não, eu não posso ver você chorar’.
Ela vai gostar muito, e você não vai se esquecer, jamais, da maneira dela se encaixar no seu ombro, de ter uma chance, de cinco em cinco anos, de ser mulher como antigamente, quando era tão bom. E fique sabendo: se um dia você tiver uma crise de impaciência daquelas bem masculinas diante de uma mulher que sofre, e seu melhor amigo for conversar com ela e ouví-la carinhosamente, depois não se queixe - até porque em mulher não se pode confiar; não muito. Até porque elas gostam de se vingar, e não costumam confessar nenhum passo em falso, nem sob tortura. E se houver um clima tipo interrogatório, aí sim, elas são capazes de tudo, até de chorar, revoltadas com a desconfiança masculina e protestando inocência.

Homens e mulheres se entendem e bem que se merecem.


(Danuza Leão)