Mosaico de Pensamentos e Textos

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Nossos Melhores defeitos

Quais são seus maiores defeitos - se é que você tem algum?

Você é egoísta? Sua primeira preocupação é com seus prazeres, seus problemas, suas coisas, enfim - e lá em sétimo ou oitavo lugar vêm as outras pessoas? Não se deprima: a maior parte das pessoas é assim, mas finge que não é, e no momento em que estão dando provas da maior generosidade, costumam estar fazendo isso por elas mesmas, para se sentirem maravilhosas e serem elogiadas. Aliás, desconfie de quem pensa no outro antes de pensar em si mesmo, pois isso não é normal; se você conseguir amar o próximo, quase tanto quanto se ama, já dá para se considerar uma pessoa excepcional.

Você já teve vontade de matar alguém? Não, não, matar seria demais; mas algum dia pensou em como seria bom se alguém muito próximo, que anda atrapalhando sua vida, desaparecesse de repente, por seis meses ou dois anos, ao simples toque de um botão? E se só você no mundo fosse capaz dessa mágica e não houvesse o risco de ninguém saber - nem de ter remorsos - você apertaria esse botão?

Você adora seu ex-marido, de quem ficou muito amiga e a quem deseja todas as felicidades do mundo - como a maioria das mulheres, claro. Um dia em que você está particularmente bem, sarada, queimada e bonitona, cruza com ele e constata o quanto o tempo lhe foi cruel: gordo, barrigudo e maltratado, não é a sombra do homem que foi quando estavam juntos. E da atual, coitada, não dá nem para falar, de tão sei lá. Você lamenta ou passa o dia cantarolando, de tão feliz? Isso não pode ser chamado de uma maldade; é apenas uma constatação de que não somos santas, o que, aliás, sempre soubemos. E aqui entre nós: que é bom, é, e muito melhor do que se eles passassem de Mercedes enquanto você esperava o ônibus na fila.

Você é leal, claro, e fiel, claro; mas nunca aconteceu de torcer para seu marido ser chamado para um congresso importantíssimo em Paris - e olha que Paris é a cidade onde tu-do pode (e costuma) acontecer; para nada, só para ir sozinha ao show de Chico, suspirar à vontade e, na falta de Chico, se deixar olhar pelo homem da mesa ao lado sabendo que se ele insistisse um pouquinho, só um pouquinho, seria capaz de fazer você perder o rumo de casa. Não vai perder, claro, pois é uma mulher séria, mas se não fosse -ah, se não fosse, só Deus sabe o que seria capaz de fazer; Deus e você mesma.

Como é difícil reconhecer nossos próprios defeitos: você é invejosa? Mas por acaso alguém reconhece a sua própria inveja, a não ser a boa inveja, aquela que pode ser confessada, sempre precedida pela palavra boa, naturalmente? Tem um dia em que você passa para se despedir de sua maior amiga que vai viajar; ela já chamou o rádio-táxi que vai levá-la ao aeroporto Tom Jobim, onde embarca para Nova Iorque - com o dólar a mais de R$ 2 - , levando na carteira três cartões de crédito de ouro, praticamente, que serão pagos pelo marido que nem vai viajar, coitado, porque está trabalhando demais; numa hora dessas bate a inveja, tão grande e tão flagrante, que não dá para não falar - afinal, essa é das que podem ser confessadas. Essas despedidas, é melhor evitar.

Você é generosa? Não se está falando daquela generosidade financeira, que vai desde pagar uma água mineral para um colega até três garrafas de champagne - afinal, isso é apenas uma questão de conta bancária. Quero saber se sua maior amiga pedir emprestado o lindo blazer que você acabou de trazer de Paris, para ir a um almoço onde vão estar to-das as maiores amigas - suas e dela; você empresta numa boa, ou diria - se não tivesse coragem - que caiu uma xícara de café na manga, e ele está perdido para sempre? E se essa amiga estiver com um namorado novo e você sem nenhum, esse pequeno detalhe não vai pesar na sua bondade? Ô, vida. A lista dos defeitos é infinita: quem não tem seus momentos de impaciência com a mulher amada, com os filhos, com os pais? Quem não teve seus momentos - curtos - de raiva, e quase esganou os seres mais próximos e mais amados, e não sabe até hoje como se conteve?

Um dia você sai de casa para jantar fora com sua mulher, só para comer aquele prato de bacalhau maravilhoso que os dois adoram. Chegam no restaurante e só tem uma porção; apaixonada, ela cede, claro - e ele aceita, claro.

Dez anos depois, no dia em que estiverem assinando os papéis do divórcio, é possível que ela se lembre do episódio, e depois de tudo sacramentado, saia dali para aquele mesmo restaurante, para comer o mesmo bacalhau, com uma garrafa de vinho inteirinha, só para ela.

E o melhor: sem nem se lembrar porque.

(Danuza Leão)