Mosaico de Pensamentos e Textos

quinta-feira, julho 28, 2005

Soneto de Aniversário

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

(Vinicius de Moraes)

quarta-feira, julho 20, 2005

A verdadeira amizade


Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.

Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.

Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.

Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.

Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.


(autor desconhecido)

sábado, julho 09, 2005

O Nó do afeto

Em uma reunião de pais numa escola da periferia, a diretora ressaltava o apoio que os pais devem dar aos filhos; pedia-lhes também que se fizessem presentes o máximo de tempo possível...

Ela entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhassem fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar e entender as crianças. Mas a diretora ficou muito surpresa quando um pai se levantou e explicou, com seu jeito humilde, que ele não tinha tempo de falar com o filho, nem de vê-lo, durante a semana, porque quando ele saía para trabalhar era muito cedo e o filho ainda estava dormindo... Quando voltava do serviço já era muito tarde e o garoto não estava mais acordado.

Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para prover o sustento da família, mas também contou que isso o deixava angustiado por não ter tempo para o filho e que tentava se redimir indo beijá-lo todas as noites quando chegava em casa. E, para que o filho soubesse da sua presença, ele dava um nó na ponta do lençol que o cobria. Isso acontecia religiosamente todas as noites quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó, sabia, através dele, que o pai tinha estado ali e o havia beijado. O nó era o meio de comunicação entre eles. A diretora emocionou-se com aquela singela história e ficou surpresa quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola.

O fato nos faz refletir sobre as muitas maneiras das pessoas se fazerem presentes, de se comunicarem com os outros. Aquele pai encontrou a sua, que era simples, mas eficiente. E o mais importante é que o filho percebia, através do nó afetivo, o que o pai estava lhe dizendo. Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e esquecemos o principal, que é a comunicação através do sentimento, simples gestos como um beijo e um nó na ponta do lençol, valiam, para aquele filho, muito mais do que presentes ou desculpas vazias.

É válido que nos preocupemos com as pessoas, mas é importante que elas saibam, que elas sintam isso. Para que haja a comunicação é preciso que as pessoas "ouçam" a Linguagem do nosso coração, pois, em matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as palavras. É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto, cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o medo do escuro. As pessoas podem não entender o significado de muitas palavras, mas SABEM registrar um gesto de amor.

Mesmo que esse gesto seja apenas um nó...

Um nó cheio de afeto e carinho. .

(autor desconhecido)

quinta-feira, julho 07, 2005

Na vida

Na vida,
não vale tanto
o que temos
nem tanto importa
o que somos.

Vale o que realizamos
com aquilo que possuímos
e, acima de tudo,
importa
o que fazemos de nós.

(Chico Xavier)

quarta-feira, julho 06, 2005

Desejo

Desejo primeiro que você ame, e que amando, também seja amado. E que se não for, seja breve em esquecer. E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim, Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos, Que mesmo maus e inconseqüentes, Sejam corajosos e fiéis, E que pelo menos num deles Você possa confiar sem duvidar. E porque a vida é assim.

Desejo ainda que você tenha inimigos. Nem muitos, nem poucos, Mas na medida exata para que, algumas vezes, Você se interpele a respeito De suas próprias certezas. E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo, Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil, Mas não insubstituível. E que nos maus momentos, Quando não restar mais nada, Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante, Não com os que erram pouco, porque isso é fácil, Mas com os que erram muito e irremediavelmente, E que fazendo bom uso dessa tolerância, Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem, Não amadureça depressa demais, E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer E que sendo velho, não se dedique ao desespero. Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste, Não o ano todo, mas apenas um dia. Mas que nesse dia descubra Que o riso diário é bom, O riso habitual é insosso e o riso constante é INSANO.

Desejo que você descubra , Com o máximo de urgência, Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos, Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato, Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro Erguer triunfante o seu canto matinal Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente, Por mais minúscula que seja, E acompanhe o seu crescimento, Para que você saiba de quantas Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, Porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano Coloque um pouco dele Na sua frente e diga "Isso é meu", Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra, Por ele e por você, Mas que se morrer, você possa chorar Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem, Tenha uma boa mulher, E que sendo mulher, Tenha um bom homem E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes, E quando estiverem exaustos e sorridentes, Ainda haja amor para recomeçar. E se tudo isso acontecer, Não tenho mais nada a te desejar.

(Victor Hugo)

terça-feira, julho 05, 2005

Que temos feito de nós...

Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.

Não temos amado, acima de todas as coisas.

Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.

Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro.

Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.

Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.

Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.

Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.

Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura.

Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.

E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

(Clarice Lispector)

segunda-feira, julho 04, 2005

Caminho do Rio

Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano, ele treme de medo.
Olha para trás, para toda a jornada: os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas através dos povoados e vê a sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre.
Mas não há outra maneira.
O rio não pode voltar.
Ninguém pode voltar.
Voltar é impossível na existência.
Você pode apenas ir em frente.
O rio precisa se arriscar e entrar no oceano.
E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.
Porque só então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano.
Assim somos nós.
Só podemos ir em frente e arriscar.
Avance firme e torne-se Oceano!!!

(Paulo Freire)

domingo, julho 03, 2005

Memória

Amar o perdido deixa confundido este coração.

Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não.

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão.

Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, julho 02, 2005

Viver não dói

Definitivo, como tudo o que é simples.

Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.

(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, julho 01, 2005

Retrato


Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida a minha face?

(Cecília Meireles)